PL 2483 precisa dar um passo adiante na harmonização de decisões administrativas

Texto que busca aprimorar processo administrativo tributário não pode perder a chance de resolver os problemas da prática

Situações de vinculação do julgador administrativo não são novidade no nosso ordenamento jurídico. Várias hipóteses são estabelecidas de forma dispersa em todos os níveis do sistema.

Em âmbito constitucional, pode-se mencionar a autorização para que o Supremo Tribunal Federal (STF) aprove súmula com efeito vinculante que, além do Poder Judiciário, alcança toda a administração pública, o que inclui os tribunais administrativos.[1]

A lei do processo administrativo determina que o órgão julgador observe a decisão do Pleno do STF e afaste a exigência fiscal contrária a ato do ProcuradorGeral da Fazenda Nacional, súmula da Advocacia-Geral da União ou Parecer do Advogado-Geral da União aprovado pelo chefe do Poder Executivo.[2]

E, também na seara infralegal, o regimento interno do Carf elenca casos de vinculação e impõe que as decisões proferidas pelo STF e STJ em recursos extraordinários e especiais repetitivos sejam obrigatoriamente adotadas.[3]

O PL 2483/2022, entre tantas melhorias que pretende imprimir ao processo administrativo tributário federal, almeja sistematizar e reunir todos esses casos de vinculação esparsos em um único dispositivo. O artigo 40 da proposição “elenca todos os atos vinculantes a fim de trazer transparência para o administrado, diminuindo a necessidade de remissões à Constituição Federal e a outras normas”, nas palavras da Ministra Regina Helena Costa e de Marcus Livio Gomes, que subscrevem a exposição de motivos da proposta.

A alteração, apesar de bem-vinda, parece demasiadamente modesta no propósito anunciado de “trazer segurança jurídica e coerência decisória entre instâncias administrativa e judicial e reduzir a litigiosidade”.

É preciso ir além e reafirmar a sobreposição dessas regras sobre as formalidades que norteiam o processo administrativo, aproximando-o dos valores que já orientam a esfera judicial após o advento do CPC de 2015.

A medida é necessária porque, ao lado dos mandamentos de vinculação, há regras de preclusão – como a exigência de prequestionamento nos recursos.

De um lado, a vinculação seria impositiva. De outro, o conhecimento vedado. Vários precedentes da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), em resposta a esse dilema normativo, prestigiam a regra de preclusão em detrimento do dever de coerência decisória[5]. É comum que prevaleça o entendimento que questões de ordem pública não podem ser conhecidas na falta do prequestionamento, mesmo que se trate de alegada inobservância à súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal[6] .

A missão de controle da legalidade exercida pelos julgadores, no atual cenário, é limitada. Contribuintes, ao mesmo tempo, podem ver mantida uma exigência incompatível com o precedente vinculativo. A Fazenda Nacional corre o risco de que prospere uma desoneração contrária ao entendimento que deveria ser mandatório, circunstância na qual o prejuízo é permanente, pois a ela as portas do Judiciário estão fechadas.

O caso reflete um inusitado conflito entre normas abstratas, já que o interesse concreto de todos os que atuam no processo administrativo tributário – contribuintes, fisco e julgadores – deve ser a observância do entendimento vinculante, o que não é assegurado pelo simples agrupamento das hipóteses de vinculação proposta pelo PL 2483/2022.

O próprio projeto, no entanto, é uma oportunidade de reequilibrar esses objetivos e dar um passo adiante na harmonização das decisões administrativas. O acréscimo de um parágrafo no artigo 40 da proposição legislativa poderia determinar que, garantido o contraditório, as hipóteses de vinculação sobrepujassem as regras de preclusão e fossem aplicadas a qualquer tempo pelo órgão julgador ou pela autoridade responsável pela cobrança, inclusive de ofício.

A futura lei não pode perder a chance de resolver os problemas da prática, principalmente a respeito de questões cujos interesses convergentes envolvidos possam criar condições políticas favoráveis a um processo legislativo sem grandes resistências.

[1] Art. 103-A da Constituição Federal

[2] Art. 26-A, §6º, I e II do Decreto nº 70.235/1972

[4] Art. 67, §5º do RICARF.

[5] Ilustrativamente, as seguintes decisões da CSRF: Acórdão CSRF nº 9101-005.784, julgado em 07/10/2021; Acórdão nº 9202-009.493, julgado em 28/04/2021.

[6] Acórdão CSRF nº 9101-003.439, julgado em 07/02/2018.

LUIZ HENRIQUE FERRAZ – Mestrando em direito tributário pela Escola de Direito de São Paulo da FGV, membro do núcleo de direito tributário do mestrado profissional da mesma instituição. Graduado em Ciências Contábeis pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, pós-graduado em direito tributário pelo IBET. Advogado sócio de Queiroz Advogados Associados

Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/pauta-fiscal/pl-2483-precisa-dar-um-passo-adiante-na-harmonizacao-de-decisoes-administrativas-31032024

Mary Queiroz