Reforma tributária, GT 14 e a proposta de um modelo operacional

Precisamos proteger e incentivar a Zona Franca de Manaus sem impactar negativamente todo o Brasil.

Podemos afirmar que o GT 14 é o Grupo de Trabalho que mais aproxima o contribuinte, pagador de tributos, da administração tributária porque visualiza e antecipa os impactos da reforma lá na ponta. O objetivo deste GT é apontar como construir um sistema tributário eficiente, simples, transparente, em que a lei seja autoaplicável.

Registro Cadastral Único

No modelo atual, o empresário já se depara com a complexidade antes mesmo de iniciar suas operações. Primeiro, com o excesso de burocracia, ao querer abrir uma empresa, ao ter que se cadastrar em vários órgãos, obter alvarás e, a depender da sua atividade, terá que obter inscrições nos estados, Distrito Federal e municípios.

O desenvolvimento da atividade empresarial encontra vários desafios, por exemplo, se uma empresa revende mercadorias às pessoas físicas localizadas em outro estado, por ecommerce, pode ter que se inscrever em todas as unidades da Federação em função da cobrança do ICMS. E, cada uma dessas inscrições traz consigo a obrigatoriedade de entrega mensal de uma declaração adicional.

Uma empresa prestadora de serviços, pode ter um cenário ainda mais complexo, pois é preciso entender onde é devido o Imposto sobre serviços e tendo que se cadastrar em todos os municípios onde presta serviços fora da sua sede para evitar bitributação. E mais, pode ensejar dúvidas se terá que recolher o ISS no município do prestador, no local do tomador ou na sede da empresa? Isso vai determinar quantas inscrições, sempre acompanhadas de novas declarações, o empresário deverá manter.

Isso tudo para empresas nacionais. Se falarmos de plataformas estrangeiras que intermediam vendas entre empresas não residentes e pessoas físicas no Brasil, não há qualquer exigência de inscrição CNPJ, estadual ou municipal. Para o crossborder, o processo é mais simples. Não nos cabe aqui discorrer sobre os motivos, mas o fato é que precisamos urgentemente de regras iguais para todos. Isonomia permanece sendo um princípio constitucional.

A reforma tributária foi idealizada para simplificar, para buscar um sistema transparente, facilitar os negócios, estimular investimentos, gerar empregos e trazer desenvolvimento, no entanto, para que todos esses princípios sejam efetivos, é urgente reduzir o custo da conformidade no Brasil.

Por isso, para que efetivamente haja simplificação, faz-se necessária uma total mudança de paradigmas, isto é, não se pode pensar no novo sistema com os mesmos vícios do sistema antigo. Para tanto, a primeira mudança, imprescindível mesmo, é haver um Registro Cadastral Único (RCU) integrado entre todos os entes.

A Lei Complementar 199/2023 já trouxe a previsão do RCU. Agora basta colocar em prática, um registro totalmente informatizado e integrado entre os Entes Federados que farão a gestão do IBS e CBS. No Brasil temos abertura de contas bancárias totalmente online, assinaturas eletrônicas, tudo em poucos minutos. Temos tecnologia para isso, basta implementar e o momento é agora!

A simplificação não será só para as empresas, mas também para a própria administração tributária que não precisa ter uma estrutura em cada unidade da Federação (27) e nos municípios (5.568) para manter cadastros com as mesmos informações, por vezes ainda em modelo presencial e manual.

Compensação imediata e devolução dos créditos

Quando o empresário efetivamente começa a operar o seu negócio surge um novo desafio, novamente a complexidade se manifesta, mas agora com a apuração dos impostos sobre o consumo. Os conhecidos IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS precisam ser apurados e pagos. Apurar deveria ser simplesmente abater todos os créditos das etapas anteriores com todos os débitos sobre suas vendas e/ou prestações de serviços, mas infelizmente o modelo atual não é tão simples assim.

O conceito de crédito para fins de PIS e Cofins não é o mesmo do ICMS. Nem tudo que a empresa compra ou contrata gera direito a crédito desses tributos. Tem até crédito de ICMS, no caso de ativo imobilizado, que é parcelado em 48 parcelas com um redutor mensal calculado com regras especificas. A complexidade é tão grande para identificar o que gera ou não direito a crédito que temos um contencioso altíssimo, o que resulta em onerar tanto so contribuintes, as fazendas públicas e sobrecarregar o judiciário.

Como uma verdadeira luz, os novos tributos nasceram vinculados ao princípio da neutralidade. O IBS e a CBS precisam ter suas regras muito claras em Lei Complementar para que o princípio seja efetivamente praticado. As poucas exceções ao crédito, previstas no art. 156-A inciso VIII da Constituição Federal, precisam estar listadas de forma expressa na Lei Complementar, de forma clara e objetiva, sem gerar interpretações diferentes a depender do leitor.

A neutralidade dos novos tributos precisa ser viabilizada com a escrituração imediata de todos os créditos do IBS e da CBS, sobre todas as aquisições de bens, direitos ou serviços da pessoa jurídica. A empresa recebeu o documento fiscal, apropria o crédito de tudo e compensa com o total dos débitos no período. Tão simples quanto isso. No novo modelo, todo o crédito de IBS deve ser compensado com o débito do IBS nacional, não havendo mais apuração individualizada por estabelecimento, independe da origem ou destino.

No caso de crédito acumulado, quando a empresa não possui débitos consolidados para compensar, a devolução precisa ser feita em no máximo 30 dias para não afetar o seu fluxo de caixa. Da mesma forma os pedidos de restituição de tributos pagos indevidamente ou a maior, e devem estar sujeitos a atualização monetária caso não efetivado pela administração tributária no prazo de 30 dias, tal como é aplicado ao contribuinte em eventual atraso de sua obrigação.

IPI-ZF

Quando a PEC 45/2019 circulava para aprovação, muitos tributaristas e empresários, especialmente nas regiões sul e sudeste, seguiam otimistas com a extinção do Imposto sobre produtos industrializados (IPI), que hoje onera a produção e é responsável por uma parte importante do contencioso brasileiro. Eis que na aprovação da PEC e conversão na emenda constitucional 132/2023 o IPI sobreviveu ao tsunami reformados, como meio de preservação do incentivo à Zona Franca de Manaus a partir de 2027.

Após três meses da alteração na Constituição Federal ainda não fazemos ideia de como isso seria viável operacionalmente. Imagina um produto similar ao fabricado na ZMF terá incidência de IPI quando produzido em qualquer outra localidade, impactando negativamente o custo do produto, que no final vira preço ao consumidor final. Isso sem falar do custo de conformidade para classificar itens, monitoramento do local de produção.

Como as empresas estabelecidas fora da região beneficiada tomarão conhecimento de que seus produtos também são produzidos por lá? Com qual antecedência? Como isso impacta no preço já negociado com seus clientes, e os contratos firmados?

É indiscutível a importância de benefícios direcionados para a Zona Franca de Manaus para que a região possa continuar a atrair investimento, porém, a forma mais viável para operacionalizar a utilização do IPI seria por meio de um crédito presumido exclusivo para as empresas lá estabelecidas, não impactando diretamente os custos e operacionalização de todos os demais.

Precisamos proteger e incentivar a Zona Franca de Manaus sem impactar negativamente todo Brasil.

A reforma foi aprovada e não há mais espaço para questionar, porém ainda está aberta a possibilidade de que as leis regulamentadoras possam fazer os necessários ajustes para que sejam minorados os impactos sobre os pagadores de tributos, a economia e a à própria arrecadação. É com esse objetivo que estamos trabalhando incansavelmente.

MARY ELBE QUEIROZ – Pós-doutora, doutora e mestre em Direito Tributário. Presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários (IPET). Membro da Academia Nacional de Economia e Ciências Sociais (ANE). Professora. Advogada sócia de Queiroz Advogados Associados

ANA CAROLINA BRASIL VASQUES – Advogada tributarista, com MBA na USP em gestão tributária. Fundadora do escritório Brasil Vasques Advogados. Presidente do núcleo de arbitragem do IBREI. Coordenadora do Núcleo Industrial da Associação Comercial de Tatuí (SP). Cofundadora do Mulheres no Tributário.

ALINE LARA – Especialista em direito tributário pelo IBET RJ e Unisinos. Contadora com atuação na área tributária desde 2007. Ampla experiência no varejo, em especial com tributos indiretos e inovação. Gerente tributário em empresa do varejo de moda

Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/reforma-tributaria-gt-14-e-a-proposta-de-um-modelo-operacional-02042024

Mary Queiroz